terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Os pinheiros de Naji Nahas



Acompanhei em vários sites alguns momentos da reintegração de posse da área conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos, que deixa sem moradia um número que varia entre 5.500 a 7.000 pessoas, cerca de 1.600 famílias. Seguindo link após link, fui me aprofundando sobre o tema: a ocupação do Pinheirinho é (ou melhor, era) atualmente a maior da América Latina. Eu moro em casa própria desde meus três anos de idade, não consigo imaginar como é ser posto para fora de casa, seja qual for o motivo. Domingo passado alguns sites mostravam pessoas se preparando para dormir no chão de terra batida, usando lonas como cobertores – algo realmente degradante.

O histórico da área não é muito claro: a região já foi uma fazenda que pertencia a uma família de velhos imigrantes alemães, que foram assassinados em 1969, por motivos ainda desconhecidos. Os alemães não tinham herdeiros e o território ficou abandonado por muitos anos.
Aqui o caso toma formas peculiares: em 1981 surge como proprietário o Grupo Selecta, que pertence ao empresário e especulador Naji Nahas, libanês naturalizado brasileiro, que aqui reside desde 1969. Nahas, então com no máximo 23 anos, trazia consigo a cifra de 50 milhões de dólares, oriundos de herança de família, para investir no Brasil. Ainda nos anos 70, Nahas já possuía mais de US$ 1 bilhão. Diz-se que nos anos 80 ele chegou a controlar 80% do capital Bolsa de Valores de São Paulo, e ainda há um caso mais famoso: devido a suas jogadas financeiras, consideradas desonestas (embora muitos economistas renomados o defendessem na época), Nahas teria sido responsável pela quebra da Bolsa do Rio, que nunca se recuperou totalmente. É notavelmente muito poder nas mãos de um único homem!

E tem mais: fontes consultadas por mim contam que o terreno, de cerca de 1,3 milhões de metros quadrados, foi adquirido por Nahas por meio de grilagem. Eu já sabia o que era um grileiro, que é quem forja escrituras falsas para se apoderar de propriedades públicas ou eventualmente sem proprietários definidos – mas não era de meu conhecimento o por que deste nome: coloca-se uma escritura novinha em folha, com dados falsos e datas mais antigas, em uma caixa com grilos! Os excrementos do inseto deixam o papel amarelado, e os grilos roem o documento, dando uma aparência mais verossímil à farsa. Quanta criatividade!
Enfim, é um episódio lamentável. Considerando a hipótese de grilagem, o terreno então poderia pertencer ao governo, podendo assim ser cedido para aquelas pessoas permanentemente! O governo inclusive teria demonstrado interesse na área, e um despacho da Justiça Federal impedia a desocupação, mas este não foi acatado devido a uma liminar do Supremo Tribunal de Justiça. Este impasse aponta para um altíssimo jogo de interesses em torno deste território, avaliado em até 180 de milhões de reais, com dívidas prediais na casa dos 16 milhões. Noves fora, é uma mina de ouro.

É necessário ver o outro lado da situação: havia 1.600 famílias residindo em um lugar que não lhes pertencia. O que ocorreu neste domingo poderia ter acontecido a muitos anos, como poderia ocorrer daqui a 5, 10 anos. Compreendo que deve ser fácil se acomodar em uma situação destas e não se preocupar em comprar uma casa, ou mesmo alugar uma – por isto não consigo chamar estes milhares de desabrigados de irresponsáveis – mas é certo que o que estas pessoas têm que fazer agora é enfrentar esta calamidade que foi causada por elas mesmas e seguir em frente, ao invés de contar apenas com ajuda do governo.
Voltando a Naji Nahas: o empresário perdeu muito de sua fortuna após as mudanças nas regras da Bolsa do Rio, e ele chegou a afirmar que se tais mudanças não tivessem ocorrido, o homem mais rico da América Latina seria ele, e não o mexicano Carlos Slim. Eu li uma entrevista com Nahas que dizia que ele estava de volta e com “sede de vingança”. Reaver a área do Pinheirinho com certeza faz parte de seus planos de recuperar seu império. Duvido muito que ele se preocupe com o destino das pessoas que ocupavam a área, mas devemos lembrar que ser solidário é algo muito bonito, mas é apenas uma opção de um indivíduo em relação ao próximo.

Este é um caso onde aparentemente não há lugar para a justiça social, embora há quem pense diferente. O que temos aqui é um único homem triunfando sobre sete mil pessoas. O imigrante libanês lutou (honestamente ou não) pelo que queria, e conseguiu. Os moradores do Pinheirinho, até onde pesquisei, nada fizeram antes, até porque não haveria qualquer direito da parte deles, e não está havendo nenhuma reforma agrária por lá.
Sou uma prova e também testemunha da loucura que é levar a vida como um capitão de um barco à deriva: podemos ter muito tempo de certezas e tranqüilidades, mas haverá um momento em que teremos que enfrentar o inesperado, e isto pode ser um golpe duríssimo...

PEDRO BOTTERO.

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